Gosto muito deste senhor..
Nem sempre concordo a 100 % mas nem tal tem que acontecer..
Diário de uma criança a beira de um ataque de nervos...
Os pais não servem como despertador. Adormecem
de manhã, como todos nós, mas, ao mesmo tempo que levantam a persiana e
nos chamam «Meu querido» e coisas assim, querem que, entre a cara lavada
e os cereais despachados, façamos dos 0 aos 100 em poucos minutos.
Entretanto, como convém às pessoas ponderadas, e paramos de nos vestir para pensarmos
na vida, eles sofrem de hiperatividade e, em jeito de ameaça, gritam
qualquer coisa do género: «Eu juro que me vou embora, e deixo-te aqui!»
(que era tudo o que eu mais queria!).
Os pais servem, também,
para nos tirar a boa-disposição, antes do trabalho. Enquanto só não
chamam «boas pessoas» a todos os senhores automobilistas que, segundo
eles, estavam bem era dormir, ouvem (de meia em meia hora!) as mesmas
notícias, atendem o telefone, olham 30 vezes para o relógio,
melindram-se com a nossa cara de segunda-feira e, sempre que dizem, com
voz de pateta: «Quem é o meu tesouro, quem é?», quem faz as
contra-ordenações perigosas somos nós!
Os pais servem para imaginar que todas as crianças, ao chegarem à escola, são campeãs de felicidade.
E que nunca nos apetece mandar a nossa professora para a... biblioteca,
de castigo, enquanto ela pensa se não será feio mentir (sempre que
grita connosco, quando garante, aos nossos pais, que é só doçuras e
meiguices...).
Os pais servem, também, para nos ir buscar à
escola. E nisso escapam! Mas, independentemente de nos apetecer limpar o
pó ao mundo, perguntam (todos os dias!): «Correu bem a escola? e O que
foi o almoço?», com tantos pormenores, e no meio de tanta inquietação,
que nos provocam brancas e nos levam ao stresse.
Os pais servem
para nos deixar nos tempos livres. E, quando pensávamos que podíamos
brincar à vontade, (ou não são os tempos... livres?) descobrimos que
eles só podem ter sido levados ao engano porque, afinal, nos obrigam a
estar, mais uma vez, quietos e calados. E, pior, quando estamos prontos a
pedir o livro de reclamações, ora nos castigam com trabalhos de casa
ora nos põem, sentadinhos, a ver os mesmos desenhos animados tantas
vezes, que nós achamos que isso deve servir para aprendermos a contar
até... 100.
..........
Quando, finalmente, entramos em casa e estamos
prontos para descansar, os pais servem para nos dizer, contra todas as
nossas expectativas: «Primeiro, fazes os trabalhos de casa. Só depois
brincas».
..........
Os pais
servem para escandalizar, todos os dias, a nossa paciência, ao jantar.
Começam por nunca respeitar o nosso: «Já vou!». Vendem-se à publicidade
enganosa de cada vez que acham que a sopa de cenoura «faz os olhos
bonitos». Servem-nos ervilhas e, carinhosamente (como quem não está
muito seguro do produto que promove), chamam-lhe «bolinhas».
E nunca se cansam de nos dizer que a fruta faz bem!
E, quando o dia não pára de nos surpreender, os pais servem para dizer, todos os dias: «A partir de hoje... tu vais ver!».
............
E, quando querem quebrar a monotonia dos nossos dias, os pais, servem
para pronunciar com alma cada palavra, quando nos estragam com
meiguices: «Qualquer dia... eu emigro! Para muito longe! E quero ver
como é que vocês se safam!».
...........
Com dias assim, em que o pai e a
mãe fazem de Capitão Gancho, quem não se rende à canseira e adormece
antes do fim de cada história? E quem é que não cede ao nervoso miudinho
e não acorda, a meio da noite, com os nervos em franja? E quem é que
não ficaria desolado, no meio de toda a energia renovável que eles têm,
quando perguntam com quem estávamos a sonhar (e nós, não podendo dizer
que era com eles), respondemos que temos medo é... do Papão!
Eduardo Sá
in paisefilhos.pt
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